Saturday, 15 March 2008

A História de Candaules e Giges



"A hegemonia da Lídia, antes na mão dos Heráclidas, passou à descendência de Creso - os chamados Mermnadas - da seguinte maneira:
Candaules, chamado Mírsilo pelos helenos, era o suserano de Sardes; ele descendia de Alcaios, filho de Héracles. Ágron, filho de Nino foi o primeiro heráclida rei de Sardes, e Candaules, filho de Mirsos, foi o último. (...)

Ora, este Candaules estava apaixonado pela própria esposa e, na sua paixão, julgava ter a mulher mais bela de todas, sem sombra de dúvida. Convencido disso, ele falava com entusiasmo de sua beleza a Giges, filho de Dáscilo, seu favorito entre os componentes de sua guarda pessoal, pois era a Giges que Candaules confiava seus segredos mais importantes.

Não muito tempo decorrido – pois queria o destino que lhe acontecesse mal – disse Candaules a Giges o seguinte: “Giges, parece-me que não acreditas no que te digo acerca da beleza da minha mulher. Já que, para os homens, os ouvidos são mais incrédulos do que os olhos, faz de modo a contemplá-la nua”.

O outro, com intenso clamor, disse: “Senhor, que palavras insensatas profere, ao ordenar-me que contemple a minha senhora nua! Quando uma mulher tira as vestes, despoja-se ao mesmo tempo do pudor. Há muito descobriram os homens os bons princípios, que se devem conhecer. Entre eles está o seguinte: Ponha cada um, os olhos no que é seu. Por mim, acredito que ela seja a mais bela de todas as mulheres e rogo-lhe que não me peça coisas ilegais.”

Com tais palavras resistia à proposta, temendo que daí lhe viesse qualquer dano. Mas o outro retrucou assim: “Tranquiliza-te, Giges, e não tenhas receio nem de mim, que te faço esta proposta para te pôr à prova, nem de minha mulher, que dela te possa vir algum dano. Eu farei as coisas de modo a que ela nem sequer saiba que foi observada por ti. Esconder-te-ei no compartimento em que dormimos por trás da porta aberta. Depois de eu entrar, também a minha mulher se apresentará para se deitar. Próximo da entrada há uma cadeira, nela minha mulher deixará cada peça de sua roupa à proporção que a for tirando, e terás oportunidade de a ver com toda a tranquilidade. Mas quando ela, da cadeira, se dirigir ao leito e tu ficares nas suas costas, procura então que não te veja, ao franqueares a porta.” Giges, dado não lhe ter sido possível escapar, acedeu.

Quando lhe pareceu ser a hora de dormir, Candaules levou Giges para o aposento e logo depois surgiu também a mulher. Quando ela entrou, à medida que tirava as vestes, Giges contemplou-a e, na verdade, ela era mais bela do que ele pudera imaginar. Logo que ele a viu de costas, quando se dirigia para o leito, deslizou sorrateiramente e retirou-se. Mas a mulher viu-o enquanto saia.

Compreendendo o que tinha feito o marido, não gritou de vergonha nem mostrou ter percebido por ter na mente vingar-se de Candaules. É que entre os lídios, como entre quase todos os outros bárbaros, ser visto nu provoca grande vergonha, mesmo para um homem. Deste modo pois, nada dando a entender, manteve-se tranquila. Mas logo que o dia surgiu, depois de preparar os servidores que considerava serem-lhe mais fiéis, chamou Giges. Este, pensando que ela não sabia nada do que tinha acontecido, acudiu ao chamamento. Já antes, na verdade, costumava apresentar-se, sempre que a rainha o chamava.

Quando Giges chegou, disse-lhe isto: “Das duas vias que agora se te apresentam Giges, eu dou-te a escolher a que desejares seguir: ou te submetes à morte por teres olhado o que não devias, ou matas o meu esposo que me humilhou, tonando-te rei no seu lugar. Sim, tem de morrer, ou aquele que planeou esta trama ou tu que me observaste nua fazendo coisas que não te eram lícitas.”

Giges, por um momento, admirou-se do que lhe dizia, mas em seguida suplicou que não fosse obrigado a ter de fazer semelhante escolha. Todavia não a demoveu, mas viu verdadeiramente diante de si a necessidade de matar o senhor para não ser ele próprio morto por outros.

Então interrogou-a deste modo: “Já que me constranges a matar o meu senhor contra a minha vontade, quero saber de que modo atentaremos contra ele."

E ela, disse: “O golpe sairá do mesmo lugar de que também ele me fez ver nua, e o ataque será durante o sono.”
Uma vez concertada a conjura, chegada a noite – já que não se via livre nem tinha qualquer fuga, pois era forçoso que fosse morto ou matasse Candaules – Giges seguiu a mulher para o tálamo.

Ela, entregou-lhe um punhal e ocultou-o por trás da mesma porta.
Em seguida, enquanto Candaules dormia, ele saiu do esconderijo e matou-o.

Assim Giges usurpou o trono e desposou a rainha.
Fim."

Heródoto, in 'Histórias'.

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