Monday, 28 April 2008

O Fado é mais quente do que a vida


Pintura - José Malhoa: "O Fado"

O Fado é o que mais me orgulha em ser português - não há no mundo estilo de música mais apaixonante, mais directo ao âmago e mais profundamente interpretado pela alma. A alma portuguesa, que inventou a saudade e que chora a cantar, a forma expressiva do ser português. Atinge a população do bravio ao erudito, do nacional ao estrangeiro, com a ajuda de uma língua nobre, projectando-lhe o léxico complexo, bonito. São emoções cantadas que remetem ao intérprete, permitindo exercícios de estilo singulares. O Fado tem na popa heranças múltiplas e poetas, na proa os fadistas e no mastro a nossa bandeira.
Provoca em mim sensações de bom gosto e outras que foram descritas como o arrepio na espinha, a comoção de molhar os olhos, o espanto de ser apanhado com o coração na boca atento às palavras amarguradas e à guitarra que canta num maravilhoso gemido triste, maior do que a madeira onde vive. Dá de beber à dor usando o silêncio angustiado que não queremos ouvir (eu sou um tolo por melancolia). Encontro no fado esse mais elevado estado de espírito.
Um disco de fado novo a rodar, uma refeição quente, proibida numa luz fraca e ténue, um vinho velho bem decantado e doce - o deleito da banda sonora numa conversa em que o melhor fica por dizer - para sobremesa, ginjinha e beijos com sabor a uva. O melhor sempre foi dito... Não há romantismo no fado?!
O Fado é nosso, está hoje, mais vivo do que nunca e, é mais quente do que a vida.


"Pois meus olhos não cansam de chorar
tristezas, que não cansam de cansar-me;
pois não abranda o fogo, em que abrasar-me
pôde quem eu jamais pude abrandar;

não canse o cego Amor de me guiar
a parte donde não saiba tornar-me;
nem deixe o mundo todo de escutar-me,
enquanto me a voz fraca não deixar.

E se em montes, em rios, ou em vales,
piedade mora, ou dentro mora Amor
em feras, aves, plantas, pedras, águas,

ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor;
que grandes mágoas podem curar mágoas."


Ana Moura, uma lindíssima endecha de título "Endeixa".
Letra/soneto:
Luís Vaz de Camões música: Carlos Conçalves.

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